Porque se o José Wilker pode, eu também posso.

domingo, 4 de março de 2018

Oscar 2018


Mais um ano que começa, mas uma premiação do Oscar com piadinhas forçadas, baixa audiência e desinteresse geral da nação. Ah, tradições!
Falando em tradições, mais uma vez temos uma lista de indicações completamente bege. Se você for realmente me falar que esses filmes são os nove melhores exemplos de produções cinematográficas produzidas nos EUA durante o ano de 2017 todo, não é de se espantar que Hollywood tá ganhando cada vez menos dinheiro. Dessa lista, apenas dois são realmente bons, e gostei de três. Um terço. O resto? Várias horas da minha vida que não voltam mais.

Mas, assim como aqueles casais de namorados que estão juntos faz 10 anos, não têm mais assunto e ainda assim continuam saindo pra comer lanche de sábado a noite só porque faziam isso no começo de namoro, eu também continuo com esse blog e meu post anual sobre o Oscar – rotina manda beijos.

Me chame pelo seu nome


(Call me by your name. Luca Guadagnino, 2017)

A primeira e única coisa que sabia sobre esse filme, muito antes de ele ser indicado ou de ter parado para assisti-lo, é que tratava de um romance homossexual entre dois homens. Agora, um dos problemas que sempre ocorrem quando você tem um filme com um tema “polêmico” (racismo, homossexualidade, machismo) é que muitas vezes o pessoal desculpa muito das faltas do filme só pq ele trata sobre um assunto culturalmente relevante. Na maioria das vezes que vejo um filme indicado ao Oscar desse naipe, ele é... ok. Nada demais, ou de menos. Vocês lembram de Brokeback Mountain, né? Quer filme mais superestimado do universo do que esse, mas como tinha um casal gay, todos pirou na época? Então cheguei com um certo pé atrás antes de assistir, confesso, insegura de se estávamos falando de um bom filme que lida com homossexualidade ou apenas de um filme com gays no pôster.
Estamos falando de um bom filme que lida com homossexualidade, graças.
Contando a história de um romance de verão entre Elio (Timothée Chalamet) e Oliver (Armie Hammer), o filme cria uma colagem de momentos comuns da vida, cada peça, por menos que pareça, criando a composição final de como alguns meses podem alterar toda uma vida. Estamos falando aqui de um filme sem muita história além do romance básico, com um diretor europeu que claramente segue a escola Europeia Tradicional De Se Fazer Filmes (planos abertos, cenas estáticas mantidas por vários segundos, silêncio, trilha sonora instrumental) e atuações excelentes, especialmente do Timothée Chalamet, que mal conheço mas já considero pacas.
O resultado é um filme singelo e honesto sobre o amor, lindamente filmado e com ótima cinematografia. Sem dar spoilers, mas é digno de nota que a cena final desse filme (se você assistiu, sabe do que estou falando) é uma das melhores decisões autorais de um diretor que vi nos últimos tempos, e tudo nela é perfeito: iluminação, composição, música, e principalmente atuação.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Ator (Timothée Chalamet); Melhor Roteiro Adaptado; Melhor Canção Original
Vai levar: Imagino que nada, além de um aumento de vendas do dvd por poder colocar “4 indicações ao Oscar!” na capa.


O destino de uma nação




(Darkest Hour. Joe Wrigh, 2017)

Olha só, fizeram um filme sobre Churchill. Alguém estava querendo um filme sobre ele? Se você é uma das 15 pessoas no mundo que estavam morrendo pra ver uma produção em grande escala sobre esse líder político inglês na segunda guerra mundial, esse é o seu momento. Se é uma pessoa normal como o resto de nós... é apenas mais um filme de guerra.
Quem me conhece sabe que não suporto filme de guerra – de um ponto de vista puramente pessoal, claro, mas pra mim são todos iguais, e a mensagem é sempre a mesma: guerra é ruim, a humanidade é um monstro, precisamos ser melhores no futuro.
Todos sabem, amigo, sempre souberam e isso nunca impediu a humanidade de continuar fazendo guerra e sendo um monstro.
Um filme de guerra costuma ter duas embalagens tradicionais: aquele que ocorre no meio da batalha (com tiros e sangues e soldados gritando e provavelmente pelo menos uma cena em câmera lenta) e aquele que ocorre nos bastidores e conta a política por trás da barbárie. O destino de uma nação é o segundo caso – Churchill (Gary Oldman, que deve levar o Oscar porque a Academia pira em transformação corporal) assume como primeiro ministro na Inglaterra qdo a Europa está a beira da guerra, e precisa decidir se vai lutar contra Hitler ou tentar um acordo, “salvar” o Reino Unido e
Se você terminou o colegial, sabe a decisão que ele tomou.
Se você já viu qualquer filme na vida, sabe muito bem como esse será: mais uma multidão que jamais lembrarei em três anos.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Ator Principal (Gary Oldman); Melhor Direção de Arte; Melhor Cinematografia; Melhor Maquiagem; Melhor Figurino
Deve levar: Gary Oldman deve levar melhor ator, ficaria muito surpresa se não fosse o caso. Sou bem ruim em prever qualquer coisa técnica (até porque, em geral, nunca vejo todos os filmes indicados para todas as categorias, então muitos deles eu não assisti), mas Melhor Maquiagem não seria nem um pouco chocante.


Dunkirk



(Dunkirk. Christopher Nolan, 2017)

Mais um filme de guerra, yay – só que dessa vez do segundo tipo, pra você ver de perto a dor que é morrer pelo seu país.
Baseado em fatos reais, o filme conta a história dos soldados que ficaram presos na praia de Dunkirk, esperando a evacuação (caso ela viesse) e sendo mortos por artilharia alemã durante o processo. Não é exatamente um filme ruim, e tenho vários pontos a elogiar aqui (especificamente cinematografia, que é absurda de linda, e edição), mas tem um grande problema incontornável: o filme nunca cala a boca.
Durante mais de 2 horas fui obrigada a ouvir um som ao fundo de todas as cenas, que variava de intensidade e de estilo, mas estava sempre ali: possivelmente pra destacar o quanto a situação é hostil e tensa, mas na realidade me dando nos nervos como nunca antes. Sei que deu certo em Inception, amigo, mas deu porque rolou de vez em quando. Em todas as cenas? É forçar demais. O fato de que esse filme tá indicado pra melhor edição e mixagem de som me faz pensar que todos na Academia precisam de um abraço.
 Nolan é um dos meus roteiristas favoritos (e um diretor ok, a meu ver, nunca achei nada demais ou menos) quando ele cria um roteiro original. Nesse caso, nesse filme? Podia ser de qualquer outra pessoa – se me falasse que o JJ Abrams dirigiu, eu acreditava, de tão genérico.
É ruim? Não. É bom? Também não. É bem filmado e não ofensivo e relativamente entretentente, então se estiver sem nada para fazer num domingo a tarde... eu ainda tiraria uma soneca, mas se estiver sem sono, esse filme pode até valer a pena – mas não garanto nada.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Diretor (Christopher Nolan); Melhor Cinematografia; Melhor Edição; Melhor Trilha Original; Melhor Edição de Som; Melhor Mixagem de Som; Melhor Direção de Arte
Dele levar: Só pra rir da minha cara, é capaz dessa moléstia levar Melhor Edição e Mixagem de Som, pq o universo não está de brincadeira. Se não fosse porque A forma da água existe, apostaria nele para Melhor Cinematografia e Direção de Arte – ele ainda pode levar, ao menos um dos dois, mas o outro é melhor. Melhor Edição deve ser dele.


Corra



(Get out. Jordan Peele, 2017)

O meu filme favorito dessa lista, de longe, e também o único que já tinha assistido antes das indicações sairem (ou seja, vi por livre e espontânea vontade, e não só pq sim). Um dos dois filmes nessa lista (o outro é A forma da água) que considero filmes verdadeiramente bons, em todos os pontos de vista: desde técnicos até roteiro e atuação e música e... e...
Por que quem consegue transformar o que poderia ser mais um filme de terror clichê em um comentário extremamente bem estruturado sobre o racismo nos Estados Unidos, com uma atuação deslumbrante do Daniel Kaluuya (minha escolha pra melhor ator, embora saiba que não vai ganhar) e uma direção magistral que me deixou chocada a cada segundo sobre como é brilhante? Sério, tudo nesse filme é incrível, e de um ponto de vista puramente técnico, é possível fazer uma tese de mestrado somente sobre as escolhas de ângulo de câmeras nas cenas. Se você pode ver apenas um dessa lista, assista Corra e mergulhe nessa genialidade – isso não acontece sempre.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Diretor (Jordan Peele); Melhor Ator (Daniel Kaluuya); Melhor Roteiro Original
Merecia levar: Se esse filme não levar Melhor Roteiro Original eu juro por todos os deuses que vou dar um jeito de aparecer em LA e quebrar tudo naquele teatro – sei que A forma da água também é incrível, mas já vai levar Melhor Filme/Diretor. Deixa meu Melhor Roteiro Original pra Corra, por favor.


  

Lady Bird: é hora de voar
 (Lady Bird. Greta Gerwig, 2017)

Então, esse filme... existe.
Contando a história de uma adolescente chamada Christine, mas que insiste em ser chamada de “Lady Bird” (Saoirse Ronan) e suas aventuras em clima de muita azaração com uma galerinha da pesada (além da relação conturbada com a mãe), esse é um filme bem sólido sobre uma pessoa se encontrando na vida adulta. E apenas isso.
Do jeito que ouvi falar antes de assistir, era para se esperar que Jesus tivesse voltado à terra – mas não, não tem seriamente nada demais (ou de menos, é só genérico) nesse filme.
O fato de que foi indicado pra melhor filme quando o infinitamente superior Eu, Tonya não foi é bizarro pra mim. O fato de que foi indicado pra melhor direção é ainda pior pq a direção desse filme só não é mais previsível e sem graça porque ele não é maior.
Juro que não sei nem o que escrever sobre esse filme, ele é tão... normal. Divide em 5 partes e dubla e rola passar na sessão da tarde, depois de vale a pena ver de novo.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Direção (Greta Gerwig); Melhor Atriz (Saoirse Ronan); Melhor Atriz Coadjuvante (Laurie Metcalf); Melhor Roteiro Original
Deve levar: Eu diria que nada. Tem gente apostando na Saoirse pra Melhor Atriz Principal, e ok, ela faz um bom trabalho – mas tem gente melhor. Espero que nem se atrevam a dar Melhor Roteiro Original pra isso e não pra Corra, que vai ter sangue nas ruas se esse for o caso.


Trama Fantasma



(Phanton Thread. Paul Thomas Anderson, 2017)

Ai, esse filme. Esse filme, meu senhor.
2h20 de pura sofrência e ódio no sofá da minha sala, questionando seriamente que tipo de vida estou vivendo, que me forço a fazer essas coisas todos os anos.
A história é a seguinte: um costureiro solteirão Reynolds (Daniel Day-Lewis) se apaixona por uma garçonete desastrada Alma (Vicky Krieps) e ela acaba se tornando sua musa durante um relacionamento conturbado e emocionalmente abusivo.
Tenho uma série de problemas reais com esse filme. Os principais são: o diretor (Paul Thomas Anderson) queria muito fazer um filme europeu – exceto que ele não é europeu, e emular a escola Europeia Tradicional De Se Fazer Filmes não é pra qualquer um. Tudo o que eu senti foi como a pessoa estava querendo muito ser mais profundo e artístico do que provavelmente é; estamos falando de um universo em que todas as mulheres ricas se sentem feias até serem validadas pela roupa do estilista que é um filha da puta – pq nada como a aprovação masculina pra animar o seu dia. Duvido que preciso explicar o quanto isso é problemático, e o filme não toca de verdade nesse ponto (nem para aprovar ou desaprovar) e tenho minhas dúvidas se tal ponto foi sequer considerado; o personagem do Daniel Day-Lewis é o único homem do filme inteiro (um médico aparece no final e fala por 3 segundos) e os flashbacks de anime de harém foram reais aqui; e finalmente o roteiro é tão “fake deep” que o nome da personagem principal é ALMA e ela dá um novo sentido a vida do cara.
De um ponto de vista técnico, sim, admito que é um bom filme. Mas odiei, e não recomendo para ninguém. Me deixou desconfortável durante todo o processo, e a melhor coisa pra mim, que foi a atuação da personagem principal, não recebeu indicação. Logo...

Indicações: Melhor Filme; Melhor Ator (Daniel Day-Lewis); Melhor Atriz Coadjuvante (Lesley Manville); Melhor Trilha Sonora; Melhor Figurino
Deve levar: Melhor Figurino é sempre possível quando temos um filme sobre roupas, e o Daniel Day-Lewis está ótimo nesse papel (mas o Sirius Black tá gordo pro Churchill, então não tem competição real), mas seriamente espero que não leve nada. E que apague minha memória também.
Merecia levar: um tapa na cara, pra largar de ser besta


The Post: a guerra secreta



(The Post. Steven Spielberg, 2017)

Ok, é um filme: baseado em fatos reais, sobre a liberdade de imprensa na América do Trump, com a Meryl fucking Streep e o Tom fucking Hanks e dirigido pelo Steven Spielberg e existe uma chance de isso ser mais oscar bait do que já é no momento?
O santo graal dos filmes criados especificamente para o Oscar, The Post é exatamente aquilo que você está esperando que seja, nada mais, nada menos. Meryl Streep é fisicamente incapaz de ser algo além de maravilhosa, e o Tom Hanks é o Tom Hanks. A história sobre como um jornal enfrenta tudo e todos para manter seu direito de contar a verdade sobre o governo é só de leve relevante num país em que o presidente disse mais “fake news” do que o nome da esposa no último ano. Mas, deixando tudo isso de lado, é um bom filme? Não. É um filme ruim? Não. É um filme do qual me lembrarei em 3 meses? Não. É entretente e uma boa opção para uma noite chuvosa? Sim. Espera entrar no Netflix, pq pagar pra ver no cinema é um pouco demais.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Atriz (Meryl Streep)
Deve levar: um grande sorriso no rosto e pelo menos duas piadas a custas do Trump durante a apresentação do Oscar



A forma da água



(The shape of water. Guillermo del Toro, 2017)

Antes de saber qualquer coisa sobre esse filme, antes de ver o nome ou o conceito de arte ou mesmo quem dirigia, a internet me informou que ia rolar um filme em que “a mina pega um monstro-peixe”. O que, tecnicamente, é verdade: mas é tão mais que isso.
Só tinha ouvido boas coisas sobre esse filme e foi o último que assisti de verdade. É sempre um perigo assistir qualquer coisa com expectativas altas, já que isso pode influenciar e muito sua opinião. Mas A forma da água não teve esse problema: esse filme é lindo. Ridiculamente lindo. Ofensivamente lindo. A cinematografia, a edição, a direção de arte... fiquei triste de não ter visto no cinema, pq presenciar esse mundo na tela grande deve ser algo maravilhoso.
Quem diria que um filme romântico de ficção científica seria um dos melhores filmes que vi nos últimos anos? A escolha de arte de criar um universo Bioshock lúdico foi inspirada e respeitei todas as decisões de direção e arte de uma forma que não me via fazendo há muito tempo. A história em si é simples: uma faxineira muda chamada Elisa (Sally Hawkins) trabalha em um laboratório no qual o governo encontrou uma criatura-peixe. O encontro de Elisa e da criatura muda a vida dos dois. Eu sei o quanto isso parece absurdo, mas dê uma chance pra esse filme: finalmente alguma coisa que podemos realmente chamar de sétima arte.

Indicações: Melhor Filme; Melhor Diretor (Guillermo del Toro); Melhor Atriz (Sally Hawkins); Melhor Ator Coadjuvante (Richard Jenkins); Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer); Melhor Roteiro Original; Melhor Cinematografia; Melhor Figurino; Melhor Edição; Melhor Trilha Original; Melhor Direção de Arte; Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som
Merecia levar: honestamente? Quero que leve todos os técnicos. Só põe na conta, nem me importo: Melhor Cinematografia; Melhor Figurino; Melhor Edição; Melhor Trilha Original; Melhor Direção de Arte; Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som
Deve levar: Melhor Diretor vai levar com toda certeza. Melhor Filme é uma possibilidade real, mas faz um tempo desde que não tivemos o mesmo filme ganhando esses dois prêmios, o que me faz pensar que a Academia gosta de causar e não de votar pra mesma pessoa.


Três anúncios para um crime


(Three Billboards Outside Ebbing, Missouri. Martin McDonagh, 2018)

Todo ano temos aquele filme. Sabe, aquele – aquele que ninguém nunca ouviu falar e todos fazem cara de surpresa porque “oi, como chama isso mesmo? Com quem é?”. Mas, como tem acontecido nos últimos anos, o filme hipster da lista acaba sendo um dos meus favoritos: tenho que aceitar que sou esse tipo de pessoa agora.
Um roteiro original interessante, cheio de reviravoltas, sobre uma mãe (Frances McDormand) que fica exausta com a falta de solução pro crime da filha, aluga 3 billboards na cidade pra pedir satisfação pro delegado – que está morrendo de câncer. Humor negro, ótimas atuações, diálogos bem escritos e um final satisfatório: o que mais você pode querer de um filme hipster do Oscar?

Indicações: Melhor Atriz (Frances McDormand); Melhor Filme; Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson e Sam Rockwell); Melhor Roteiro Original; Melhor Edição; Melhor Trilha Original
Deve levar: de verdade, gostaria que levasse Melhor Atriz e Melhor Ator Coadjuvante (Sam Rockwell tá incrível), mas não ficaria chocada se não levasse nada.